20 Mai 2016
À luz da obra de Maria da Conceição Tavares, Eduardo Bastian reflete sobre como inserir a indústria brasileira nos elos mais nobres da economia global
Dentro da proposta do ciclo Economia brasileira: onde estamos e para onde vamos? Um debate com os intérpretes do Brasil, promovido pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, a noite de quarta-feira (18-05) foi dedicada a debater o pensamento de Maria da Conceição Tavares acerca da realidade nacional. A obra da economista portuguesa naturalizada brasileira foi apresentada pelo professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ Eduardo Figueiredo Bastian. Mesmo sem ter sido aluno de Conceição Tavares, o jovem economista não esconde a influência da professora. “Sua obra é fundamental. Ela também tem um papel muito importante junto à Economia da UFRJ”, recorda. O ponto de partida de Bastian é ideia de substituição de importações formulada pela economista.
Fotos: João Vitor dos Santos
O professor ressalta que para mergulhar nas perspectivas de Conceição Tavares é preciso ter em vista a perspectiva histórica. Afinal, fala de um Brasil da década de 1930, em plena Era Vargas e com vistas a fortalecer a indústria nacional. “Inicialmente, a substituição de importações não é um conceito formal. Trata-se de um conceito histórico/estrutural. É algo no processo histórico da industrialização do Brasil e da América Latina”, pontua, ao ressaltar a posição estruturalista de Conceição Tavares. Para Bastian, ter em mente a historicidade do processo faz entender melhor a ideia de substituição de importações. “É um modelo que substitui o precedente, quando nossa economia ainda era primário-exportadora, voltada para fora”.
Ou seja, o Brasil antes dos anos 1930 tinha sua economia centrada em poucos setores de exportações. “Isso nos fazia ter uma economia reflexa, dada pela conjuntura mundial. Era o centro exportador que dava a dinâmica para nossa economia. Se ia mal, tudo ia mal internamente”, explica Bastian. E ao mesmo tempo em que essas exportações geravam rentabilidade, os produtos eram pouco dados ao consumo interno. O mercado interno ainda era todo alimentado por uma indústria nacional muito básica, geradora de produtos essenciais e de baixa qualidade. “E, ainda, grande parte das demandas internas só eram supridas pelas importações. Mas, para fazer importações, também é preciso exportar. Quando as exportações entram em baixa, a restrição é muito grande”, completa.
O modelo que se exaure
Assim, o modelo essencialmente exportador de manufaturas vai chegando ao seu esgotamento. É na queda desse modelo que a substituição de importações se apresenta com vistas a uma nova fase. “No Brasil, essa virada se dá na década de 30 por vários fatores. Há superoferta de café, por exemplo, queda nas exportações e sérias limitações nas importações”, recupera. Assim, motivado por fatores internacionais, entre eles também a quebra de 1929, o país volta a munição para produção doméstica, a indústria nacional. “Mas ainda não tínhamos um tecido industrial bem desenvolvido. Porém, nas indústrias que já existiam havia uma capacidade ociosa e foi por aí que começou a se pensar na indústria local para servir o consumo doméstico”.
É evidente que, num segundo momento, é necessário fortalecer esse tecido industrial e apostar nessa industrialização nacional a partir do fomento de novas empresas. “E, na medida em que se desenvolve e produz mais, para viabilizar essa indústria é preciso de insumos”. É assim que se chega à formulação da ideia de substituição de importações, presente em Conceição Tavares. A necessidade não é mais pela importação de produtos para suprir a demanda local de consumo, mas sim para insumos que possam ser produzidos internamente.
Industrialização tardia
Bastian recorda que esse momento da história econômica nacional é visto por muitos analistas como “industrialização tardia”. Isso dá um caráter meramente capitalista à industrialização. “Esse modelo de industrialização pela substituição de importações se dá pelo estímulo do estrangulamento externo, como uma forma de descolar da demanda internacional”, analisa o professor.
Embora esse momento seja importante para o desenvolvimento, a construção e a internalização das cadeias produtivas não resolvem os problemas de má distribuição de renda ainda do Brasil manufatureiro. “Há a mudança na natureza da desigualdade, mas não resolve esse problema”. Assim, quem detém a maior renda são os empresários industriais e não há uma absorção de toda mão de obra do operariado. “Entretanto, embora não se resolva o problema da massa trabalhadora, Conceição Tavares demonstra que é possível se pensar em crescimento mesmo com a concentração de renda”, pondera Bastian.
O Brasil de hoje e a ideia de integração ativa
O economista ainda traz uma perspectiva crítica a essas formulações de Conceição Tavares. Entre elas está o caráter economicista e tecnicista na análise. “Ela considera esse um processo ativado pela crise externa e passa ao largo as questões acerca dos atores políticos desse processo, como o Estado”. Entretanto, Bastian ressalta que Conceição Tavares não ignora essa perspectiva, mas sim apenas tem seu foco de análise na questão econômica. “Isso até pelo seu caráter estruturalista”.
Na década de 30, emerge todo um aparato estatal para inferir na economia. É a nacionalização da indústria da Era Vargas que mexe em legislações também como forma de estimular a criação de grandes indústrias nacionais e, inclusive, cria as empresas estatais, que são importantes para o mercado. É o caso da Companhia Nacional de Siderurgia e depois a Petrobras.
Porém, à luz das formulações de Conceição Tavares, como pensar em uma industrialização no Brasil de hoje? Cabe uma política industrial hoje e de qual natureza e em quais moldes? Bastian provoca ao jogar essas questões. Depois de analisar cenários que demonstram o momento do Brasil de hoje, o economista passa por perspectivas que vão da ideia de liberalismo ao novo desenvolvimento até chegar na formulação do que chama de “integração ativa”.
Para Bastian, o Brasil precisa entrar nos elos mais nobres da economia mundial. Para isso, entende que não seria ideal uma abertura indiscriminada, liberal, portanto, e nem tão somente focada nas questões de câmbio, eixo duro do novo desenvolvimento. “Passa pelo papel importante que o Estado tem no desenvolvimento da questão de tecnologia e pesquisa. É uma filosofia diferente daquela clássica substituição de importação, mas é o mesmo espírito”. Assim, acredita que pensar nessa recolocação da economia nacional passa pelo Estado assumir a forma ativa de financiador de pesquisa e desenvolvimento tecnológico. “Uma grande saída poderia ser o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDE, com um papel fundamental nesse processo”.
Quem é Maria da Conceição Tavares?
Foto: Wikipedia |
Trabalhou na elaboração do Plano de Metas de Juscelino Kubitschek. Naturalizou-se brasileira em 1957, mesmo ano em que decidiu estudar economia, influenciada por três clássicos do pensamento econômico brasileiro: Celso Furtado (1920-2004), Caio Prado Jr. (1907-1990) e Ignácio Rangel (1908-1994), que a despertou para as questões relacionadas ao capital financeiro.
Na UFRJ, foi aluna de Octávio Gouvêa de Bulhões (1906-1990) e Roberto Campos (1917-2001). Trabalhou como analista matemática no BNDES.
É professora-titular da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP e professora-emérita da UFRJ. Filiada ao Partido dos Trabalhadores, Maria da Conceição já foi deputada federal pelo estado do Rio de Janeiro entre 1995 e 1999.
É autora de diversos livros sobre desenvolvimento econômico, com destaque para “Da substituição de importações ao capitalismo financeiro” (Rio de Janeiro: Zahar, 1972), “Ciclo e crise: o movimento recente da industrialização brasileira” (Campinas: Instituto de Economia, 1998), e para o artigo “Além da estagnação: uma discussão sobre o estilo de desenvolvimento recente do Brasil”, escrito com José Serra (em “Cinquenta anos de pensamento na CEPAL”. Bielschowsky, Ricardo. Rio de Janeiro: Record, 2000. Publicação disponível aqui).
Eduardo Figueiredo Bastian
Bacharel em Ciências Econômicas pelo Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro - IE/UFRJ e mestre e doutor em Economia da Indústria e da Tecnologia pelo IE/UFRJ, com doutorado sanduíche na Faculdade de Economia da Universidade de Cambridge no Reino Unido e pós-doutorado na Universidade de Columbia em Nova York, Estados Unidos.
Atualmente, é professor adjunto do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IE/UFRJ).
Por João Vitor Santos
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Integração ativa: uma releitura da “substituição de importações” para os tempos de hoje - Instituto Humanitas Unisinos - IHU